'O sol brilha para todos': ex-sem-teto do DF entram em universidades e relatam mudança de vida por meio da educação
Tiago Silva, de 36 anos, cursa letras na UnB, mas viveu nas ruas por mais de 10 anos; Leandra de Fátima, 58, passou em três vestibulares. Ex-sem-teto contam história de superação ao sair das ruas após ingressar no ensino superior Arquivo pessoal Para quem vive nas ruas, nem sempre é possível ver esperança enquanto se luta para vencer a invisibilidade. No entanto, há quem encontre uma chance de recomeçar e um impulso para retomar a própria jornada. Aos 18 anos, Tiago Silva Barros quebrou os vínculos familiares por causa das drogas e acabou indo para as ruas. Por 11 anos, ele enfrentou as dificuldades de viver sem um lar. Mas o amor pela leitura reacendeu a vontade de voltar a estudar. Atualmente, ele está prestes a se formar em letras pela Universidade de Brasília (UnB). Leandra de Fátima, hoje com 58 anos, saiu do interior de Minas Gerais em 2017 para tentar trabalhar em Brasília. Como não tinha onde ficar, buscou abrigo na Casa Flor, uma unidade de acolhimento para mulheres, onde ficou por três meses. Nesse período, ela se focou nos estudos. O resultado foi passar em três vestibulares diferentes. "Eu diria para as pessoas em situação de rua, que há esperança, que devem acreditar que o sol brilha para todos. Que eles possam se permitir, sonhar e realizar sonhos", diz Leandra. Sonho de ser professor Tiago Silva Barros morava nas ruas quando passou na UnB, em 2019 Arquivo pessoal Tiago Silva Barros contou ao g1 que enquanto estudava não tinha dinheiro para comprar livros, mas frequentava bancas de jornais para ler notícias diariamente. Foi no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), em Brasília, que ele encontrou apoio para concluir o ensino médio e iniciar os estudos para o vestibular. "Isso foi fundamental para a minha construção, para eu conseguir alcançar o que estou tentando alcançar", diz Tiago. Hoje, aos 36 anos, Tiago já pensa em fazer mestrado. Casado e pai de dois filhos, ele conta que tem o sonho de se tornar professor. "A educação me trouxe uma perspectiva de vida. Eu já tinha procurado internação 5 vezes, mas o que deu certo mesmo para me livrar das drogas foram os estudos, os livros e a interação com o novo mundo que eu estava conhecendo. Quanto mais você vai adquirindo conhecimento, mais você vai crescendo como pessoa também", diz. Retomar e crescer "Por meio da educação, eles começam a ler, começam a lembrar os seus vínculos que tinham. Porque o livro traz essa sensação, você conversa com o livro, e ele não te contesta, não te xinga, não diz que você está errado. E assim você vai se conectando novamente com a vida", diz José Vicente, assistente social do Centro Pop. Ele foi uma das pessoas que incentivaram Tiago a retomar os estudos e não desistir. Vicente conta que outras pessoas assistidas também estão em processo de entrar na universidade. "Nós temos agora quatro pessoas no processo de se inscrever no vestibular. Alguns eu já inscrevi no Enem", diz o assistente social. Estudante de pedagogia Ex-sem-teto, Leandra de Fátima passou em três vestibulares Arquivo pessoal Leandra de Fátima foi uma das vítimas da vulnerabilidade socioeconômica. Mesmo tendo passado em vários processos seletivos para entrar em universidades, ela teve que recusar as primeiras oportunidades por falta de suporte financeiro. "Continuei só trabalhando e dei prioridade à minha família", lembra. Mas ela não desistiu. Depois de juntar dinheiro vendendo revistas nas ruas, Leandra estudou novamente para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, com a nota, conseguiu bolsa em uma faculdade privada de Brasília no início do ano passado. Leandra está no terceiro semestre do curso de pedagogia. O sonho dela é levar educação para jovens e adultos de áreas rurais em situação de vulnerabilidade. "O meu sonho para o futuro, primeiro, é me formar e poder ir para área rural, concretizar o projeto educacional. Além de estar mais perto dos meus familiares e ajudar as pessoas de alguma forma", diz Leandra. Escolarização e pessoas sem-teto no Distrito Federal Procurada pelo g1, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedes) informou que não existem dados sobre o ingresso de pessoas em situação de rua no ensino superior em Brasília. Uma pesquisa realizada pelo Projeto Renovando a Cidadania, desenvolvido por professoras e pesquisadoras da UnB, realizada em 2011, é o mais próximo que se chegou em relação a escolarização das pessoas em situação de rua na capital do país: 86,4% afirmaram não ter concluído o Ensino Fundamental 15,4% não acreditavam na educação como meio para promover mudanças 15,4% saíram da escola em função da necessidade de trabalhar e contribuir para o sustento da família 10,3% não puderam se matricular por não terem endereço fixo 9% precisavam cuidar dos filhos Outros motivos são: a falta de documentos pessoais ou de comprovante de residência, desinformação sobre seus direitos, situações de discriminação, uso de substâncias psicoativas l
Tiago Silva, de 36 anos, cursa letras na UnB, mas viveu nas ruas por mais de 10 anos; Leandra de Fátima, 58, passou em três vestibulares. Ex-sem-teto contam história de superação ao sair das ruas após ingressar no ensino superior Arquivo pessoal Para quem vive nas ruas, nem sempre é possível ver esperança enquanto se luta para vencer a invisibilidade. No entanto, há quem encontre uma chance de recomeçar e um impulso para retomar a própria jornada. Aos 18 anos, Tiago Silva Barros quebrou os vínculos familiares por causa das drogas e acabou indo para as ruas. Por 11 anos, ele enfrentou as dificuldades de viver sem um lar. Mas o amor pela leitura reacendeu a vontade de voltar a estudar. Atualmente, ele está prestes a se formar em letras pela Universidade de Brasília (UnB). Leandra de Fátima, hoje com 58 anos, saiu do interior de Minas Gerais em 2017 para tentar trabalhar em Brasília. Como não tinha onde ficar, buscou abrigo na Casa Flor, uma unidade de acolhimento para mulheres, onde ficou por três meses. Nesse período, ela se focou nos estudos. O resultado foi passar em três vestibulares diferentes. "Eu diria para as pessoas em situação de rua, que há esperança, que devem acreditar que o sol brilha para todos. Que eles possam se permitir, sonhar e realizar sonhos", diz Leandra. Sonho de ser professor Tiago Silva Barros morava nas ruas quando passou na UnB, em 2019 Arquivo pessoal Tiago Silva Barros contou ao g1 que enquanto estudava não tinha dinheiro para comprar livros, mas frequentava bancas de jornais para ler notícias diariamente. Foi no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), em Brasília, que ele encontrou apoio para concluir o ensino médio e iniciar os estudos para o vestibular. "Isso foi fundamental para a minha construção, para eu conseguir alcançar o que estou tentando alcançar", diz Tiago. Hoje, aos 36 anos, Tiago já pensa em fazer mestrado. Casado e pai de dois filhos, ele conta que tem o sonho de se tornar professor. "A educação me trouxe uma perspectiva de vida. Eu já tinha procurado internação 5 vezes, mas o que deu certo mesmo para me livrar das drogas foram os estudos, os livros e a interação com o novo mundo que eu estava conhecendo. Quanto mais você vai adquirindo conhecimento, mais você vai crescendo como pessoa também", diz. Retomar e crescer "Por meio da educação, eles começam a ler, começam a lembrar os seus vínculos que tinham. Porque o livro traz essa sensação, você conversa com o livro, e ele não te contesta, não te xinga, não diz que você está errado. E assim você vai se conectando novamente com a vida", diz José Vicente, assistente social do Centro Pop. Ele foi uma das pessoas que incentivaram Tiago a retomar os estudos e não desistir. Vicente conta que outras pessoas assistidas também estão em processo de entrar na universidade. "Nós temos agora quatro pessoas no processo de se inscrever no vestibular. Alguns eu já inscrevi no Enem", diz o assistente social. Estudante de pedagogia Ex-sem-teto, Leandra de Fátima passou em três vestibulares Arquivo pessoal Leandra de Fátima foi uma das vítimas da vulnerabilidade socioeconômica. Mesmo tendo passado em vários processos seletivos para entrar em universidades, ela teve que recusar as primeiras oportunidades por falta de suporte financeiro. "Continuei só trabalhando e dei prioridade à minha família", lembra. Mas ela não desistiu. Depois de juntar dinheiro vendendo revistas nas ruas, Leandra estudou novamente para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, com a nota, conseguiu bolsa em uma faculdade privada de Brasília no início do ano passado. Leandra está no terceiro semestre do curso de pedagogia. O sonho dela é levar educação para jovens e adultos de áreas rurais em situação de vulnerabilidade. "O meu sonho para o futuro, primeiro, é me formar e poder ir para área rural, concretizar o projeto educacional. Além de estar mais perto dos meus familiares e ajudar as pessoas de alguma forma", diz Leandra. Escolarização e pessoas sem-teto no Distrito Federal Procurada pelo g1, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedes) informou que não existem dados sobre o ingresso de pessoas em situação de rua no ensino superior em Brasília. Uma pesquisa realizada pelo Projeto Renovando a Cidadania, desenvolvido por professoras e pesquisadoras da UnB, realizada em 2011, é o mais próximo que se chegou em relação a escolarização das pessoas em situação de rua na capital do país: 86,4% afirmaram não ter concluído o Ensino Fundamental 15,4% não acreditavam na educação como meio para promover mudanças 15,4% saíram da escola em função da necessidade de trabalhar e contribuir para o sustento da família 10,3% não puderam se matricular por não terem endereço fixo 9% precisavam cuidar dos filhos Outros motivos são: a falta de documentos pessoais ou de comprovante de residência, desinformação sobre seus direitos, situações de discriminação, uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas, além de problemas de saúde. Para Fernanda Sobral, socióloga da UnB e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), houve avanços no Brasil quanto ao acesso ao ensino superior, mas ainda há muitos problemas a resolver. "Não é apenas dar direito ao acesso, é preciso também uma política de assistência, seja com bolsas ou outros mecanismos para acolher melhor essas pessoas, não só em relação à vulnerabilidade socioeconômica, mas também à vulnerabilidade a partir de problemas de saúde mental", diz Fernanda. Segundo a socióloga, para que pessoas de nível socioeconômico baixo – como os sem-teto – tenham acesso ao ensino superior é preciso, antes de tudo, melhorar a educação básica no país. ???? Participe da comunidade do g1 DF no WhatsApp e receba as notícias da região no seu celular. Leia outras notícias da região no g1 DF.